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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
Os sete momentos de Rosario Forjaz. Texto crítico de Laura Castro para a exposição, Caminhando à flor da pele. 2020
Os oito momentos de Rosário Forjaz
Fui ler os textos de Rosário Forjaz no espaço que cultiva na internet (https://rosarioforjaz.blogspot.com/), depois de ter lido as suas notas sobre o material que apresenta nesta exposição. E, ao fazê-lo, ao ler as descrições do seu trabalho, a divulgação do que a move, a reflexão sobre o que a cativa e inquieta, ao entender essas palavras como extensão da sua prática artística, questionei-me acerca da necessidade das minhas sobre a sua obra.
Registei, ao mesmo tempo, a insistência em alguns termos, como silêncio e sussurro, a referência ao tempo e à sua suspensão, o intimismo e uma vaga ideia de solidão. Tudo conduzia à dispensa das palavras por escrever.
No entanto, convidada a pensar sobre o seu trabalho, começo por uma explicação básica do que o título da exposição – Caminhando à flor da pele – me sugere: no verbo, a transposição de espaço e de tempo, e na expressão “à flor da pele”, a dimensão sensorial e emotiva do acontecimento. Apoio-me no significado da expressão e do que ela implica, autenticidade, o que está rente ao corpo. Apoio-me na ideia preconcebida de que as impressões primeiras e imediatas podem ser as mais penetrantes – sentir na pele é isso mesmo, o que emerge do mais profundo do ser. Sem indícios evidentes para situar a experiência, pressente-se o ambiente natural, o universo telúrico. É do senso comum e, portanto, redutor, imaginar a caminhada na paisagem, mas é inevitável, pela mesma e precisa razão. Claro que a escolha da expressão “à flor da pele” tem ainda a vantagem de relacionar o carnal e o vegetal, o corpo e a flor.
Cada projecto de Rosário Forjaz está ligado à experiência concreta de um lugar e ao que nele se cumpre: ver, andar, vigiar, meditar, ouvir, recolher, registar e lembrar. A tríade paisagem, corpo e memória articula-se para construir o seu trabalho que é fruto das correspondências, afinidades e ressonâncias entre as três entidades. O eco de cada caminhada perdura e alimenta a sua obra. Regresso aos títulos que, com muita frequência, incluem palavras e imagens oriundas do campo natural – plantas e processos, as espécies botânicas e o curso cíclico da natureza.
Particularizando quanto acaba de ser dito, atente-se no trabalho exposto.
Sublinho, em primeiro lugar, os materiais utilizados: os naturais, como raízes, terra, fibras vegetais, limos, ferro; os materiais artísticos, muitos de origem igualmente natural, como certos pigmentos ou o papel de arroz. Saliento, em segundo lugar, os processos eleitos, como o desenho e a gravura, e o gosto manifesto por tudo o que envolva transferências, transposições e transparências. Esta preferência permite sobrepor tempos e combinar espaços, numa superfície de papel ou num objecto, preservar as transformações que ocorrem ao longo do processo e fazer coexistir os elementos originais e os elementos adicionados. Deste modo se percepcionam máscaras, rugas, dobras, marcas de pressão, pregas e todo o tipo de vestígios. Destaco, finalmente, dos dispositivos usados, o livro para manipular e folhear, uma bobine de papel pardo e um carrocel de desenhos porque envolvem movimento e devir e configuram metaforicamente os trânsitos e os fluxos da natureza.
A mesma estratégica metafórica pode ser descoberta no modo como a artista organiza o seu guião expositivo, criando momentos que evocam as estações da sua caminhada. Em vez do convite para assistir, há um apelo implícito ao percorrer, e em vez do acto do observar coisas colocadas no espaço, há uma invocação do decurso do tempo e uma reactualização de pensamentos e sensações.
Se Rosário Forjaz parte de uma raiz performativa e adopta uma perspectiva poética na realização do seu trabalho, é a estética do vestígio que o domina, aspecto que, nas circunstâncias do tempo histórico que é o nosso, terá de ser relacionado com as ocorrências críticas do tema que elegeu e que exigiriam, possivelmente, palavras diferentes das que aqui deixo.
Laura Castro
Universidade Católica Portuguesa – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes
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